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Análise da Culpabilidade dos Crimes Contra a Ordem Tributária

01/04/2009

O estudo ora apresentado busca analisar importantes aspectos da aferição da culpabilidade nas infrações tributárias. Neste intróito, é notório que o índice de contribuintes em situação de inadimplência por débitos com o Fisco e a Previdência Social apresenta-se elevadíssimo. Segundo os especialistas, dentre as causas, são duas as razões fundamentais para que isso ocorra: a alta carga tributária incidente na fase de produção e a instabilidade da economia. Esta última resulta num mercado restritivo e altamente competitivo, fazendo com que as empresas se obriguem a atuar com estreita margem de lucro. Tais razões dificultam, sobremaneira, a empresa manter-se em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias. Outra questão que aumenta esses problemas é a absoluta falta de sintonia entre os prazos para adimplir os débitos tributários e os prazos comerciais, sendo estes sempre superiores àqueles estabelecidos pelas normas governamentais para o pagamento dos impostos. O prazo para pagamento dos tributos é, em média, de vinte dias do mês gerador da obrigação; o prazo comercial está em torno de quarenta dias. Isso tudo, desconsiderando-se até o índice de inadimplência do mercado, a afetar a geração de fluxo de caixa, dificultando, ainda mais, a solução das pendências tributárias. Diante destes fatores, o empresário honesto se vê em situação de verdadeiro estado de necessidade, na medida em que tem que decidir entre pagar os tributos ou honrar a folha de salários e as obrigações junto aos seus fornecedores. Via de regra, acaba optando em pagar seus empregados e fornecedores, sob pena de cerrar as portas. Assim, torna-se inadimplente perante o Fisco e a Previdência, por falta de suporte financeiro para saldar tais compromissos. Nessas hipóteses, todavia, o contribuinte é indevidamente rotulado, pelo Fisco, de sonegador, virtualmente contrário ao conceito de inadimplente. Por conseqüência, o empresário, não rara às vezes, passa indevidamente por enormes constrangimentos, notadamente em procedimentos criminais. A diferença, no entanto, é nítida: SONEGAÇÃO: é o ato de omitir, fraudar, falsificar, ocultar ou inserir qualquer informação não verdadeira, com o intuito de evitar o pagamento do tributo. É caracterizada pela má-fé e pelo dolo do contribuinte; INADIMPLÊNCIA: é a falta de pagamento do tributo, sem qualquer intenção dolosa ou sem o emprego de meios fraudulentos com intuito de subtrair o cumprimento da imposição fiscal. O contribuinte não efetua o pagamento porque não possui naquele momento meios para tanto, assim, não há que se falar em qualquer tipo de punição, pois inexiste em sua conduta a vontade livre e consciente de omitir, fraudar, falsificar, ocultar ou inserir qualquer informação não verdadeira, com o escopo de desviar-se do pagamento do tributo. Portanto, sonegação e inadimplência são palavras sinônimas, mas possuem conteúdo subjetivo distinto. Para caracterizar a sonegação, exige-se a vontade livre e consciente (dolo específico) de praticar quaisquer condutas da legislação tributário-penal, enquanto que para a inadimplência, a inexistência de má-fé, que ao contrário da boa-fé, deve ser comprovada. A propósito, pela Lei nº 8.137/90, que trata dos crimes contra ordem tributária, verifica-se que, consoante expressava o saudoso Prof. Celso Bastos, “todos os crimes previstos na citada lei tem o dolo como elemento essencial. Tais ilícitos só existem sob a forma dolosa. A conduta dos crimes tributários portanto, configura-se quando o agente deseja produzir o resultado que se sabe penalmente punível ou quando assume o risco de que tal resultado, contrário à lei, venha a ser produzir”. Assim, se o agente pratica conduta típica, mas o faz em decorrência de qualquer dos três elementos da culpa, imprudência, negligência ou imperícia, não comete crime, como dispõe o parágrafo único, do art. 18 do Código Penal: “salvo nos casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, se não o pratica dolosamente”. Nesse rumo, de se registrar que na legislação tributário-penal não há nenhuma previsão expressa de punição por fato praticado “culposamente”. Sobre o dolo no crime de sonegação fiscal é de se ter presente, outrossim, o elemento subjetivo comum – dolo específico – onde a intenção do agente seria a de eximir-se, exonerar-se e agir com o propósito e objetivo de não recolher o valor tributado, figuras elencadas no artigo 1º da lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990. Por isso, é fundamental e imprescindível que o agente tenha tido a intenção dolosa de cometer a sonegação, ou seja, o conhecimento da ilicitude e a vontade de praticá-la. Os Tribunais Superiores, em diversas decisões publicadas recentemente, têm preconizado que, em não havendo indícios de que o agente tenha agido com dolo, torna-se atípica a conduta a ele imputada, ou seja, antes de tudo, deve ser cumprida a prova do dolo específico para justificar qualquer condenação. No mesmo sentido, a judiciosa e erudita proclamação do Insigne Ministro José Arnaldo da Fonseca de que “não havendo nos autos qualquer indício de que o paciente tenha agido com dolo, torna-se atípica a conduta a ele imputada” onde assentado que “…doutrina e jurisprudência se inclinam de forma unívoca quanto a necessidade de dolo, para caracterização de ilícito penal de sonegação fiscal…” Além da observação dos princípios da retroatividade benigna e os da interpretação mais favorável ao acusado, deve ser observado, em cada caso concreto, se houve antijuridicidade, seja formal ou substancial. Não obstante o artigo 136 do Código Tributário Nacional acolher o critério da responsabilidade objetiva, tenha-se em linha de conta, sempre, a interpretação mais favorável da lei tributária penal ao contribuinte acusado. Se o inadimplente não visou à sonegação do tributo, não há antijuridicidade. O artigo 136 do Código Tributário Nacional deve ser entendido em harmonia com o artigo 112, III do mesmo Código. O doutrinador Luiz Flávio Gomes , porém, e com razão, defende a tese da inconstitucionalidade, pois o artigo 136 não foi recepcionado pela atual Carta Magna, assinalando: “…todas as garantias do direito penal devem valer para as infrações administrativas”, incluindo-se os princípios da “…legalidade, tipicidade, proibição da retroatividade, da analogia, do ne bis i idem, da proporcionalidade, da culpabilidade etc, valem integralmente inclusive no âmbito administrativo. A garantia do devido processo legal, por exemplo, prevista no inc. LIV, do art. 5º, da Constituição Federal, é bastante elucidativa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Cuida-se de garantia que procura tutelar o indivíduo frente às investidas do Estado, seja no âmbito da sua liberdade pessoal, seja no âmbito patrimonial”. Pertinente no assunto é a valiosa lição do Digno Juiz Amir José Finocchiaro Sarti , quem, com alta sabedoria, conseguiu sintetizar aquilo que normalmente acontece: “a sanção penal deve ser reservada para os espertalhões que enriquecem as custas do patrimônio alheio, especialmente, do patrimônio público, não para quem, apesar de todos os esforços não consegue atender tempestivamente todas as obrigações da sua empresa. O real empobrecimento do réu é um dos sinais eloqüentes da ocorrência da situação excludente (ou justificante)”. Outro aspecto relevante para desconfigurar a conduta delitiva reside nas dificuldades econômicas do devedor. A inexistência de bens em nome do titular da empresa e de contas bancárias de sua titularidade, somado ao expressivo número de execuções fiscais em curso contra ela, protestos cambiais, ações cíveis e trabalhista, etc, dão conta de que o contribuinte se deparou com seriíssimas dificuldades financeiras para a condução de sua atividade, sem que tenha havido proveito próprio em detrimento do fisco. A situação que disso emerge não permite concluir que o não-recebimento das obrigações se deu no intuito de não cumprir com os compromissos fiscais, e sim pela absoluta falta de condições de fazer frente a essas obrigações. O Egrégio TRF da 4ª Região, já se pronunciou ao agasalhar, por embaraços financeiros, a exclusão da punibilidade nos delitos fiscais. Anote-se as seguintes ementas: “Penal. Contribuições Previdenciárias. Não recolhimento dos valores descontados. Causa supralegal de excludente da culpabilidade. Falência. A decretação de falência constitui evidência de agruras financeiras da empresa, apta a justificar seja o fato acolhido como excludente supralegal da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa” . “Penal – Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas de empregados – Dificuldades Financeiras – Exclusão de culpabilidade ou Injuridicidade. Dificuldades financeiras muito graves podem justificar a exclusão de culpabilidade (ou de injuridicidade) de quem deixa de recolher no prazo devido as contribuições previdenciárias dos empregados, tendo em vista o interesse de manter a empresa em funcionamento, evitando a extinção de emprego, única ponte de sustento para a maior parte dos trabalhadores e suas famílias. É incensurável, nessa circunstância, a conduta de salários e de fornecedores, em detrimento da arrecadação tributária. A sanção penal deve ser reservada para os espertalhões que enriquecem às custas do patrimônio alheio, especialmente do patrimônio público, não para quem, apesar de todos os esforços, não consegue atender tempestivamente todas as obrigações da sua empresa. O real empobrecimento dos responsáveis pela firma, resultante da comprovada dilapidação do seu patrimônio particular em benefício da pessoa jurídica, é um dos sinais eloqüentes da ocorrência da situação excludente (ou justificante)” . “Direito Penal – Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias – Exclusão de culpabilidade – Lei nº 8212/91, Art. 95, Lei nº 8137/90, Art. 2º, Inc, II. Mesmo em se admitindo a possibilidade de um tipo sem dolo, que a teoria finalística da ação repele, se o réu conseguir comprovar a existência de dificuldades financeiras, que o impossibilitaram de recolher as contribuições à época, exclui-se sua culpabilidade” . É outro ponto, pois que o contribuinte pode debater, para repelir a acusação processual, protegendo-se no artigo 23 da Lei Penal, cuja natureza jurídica, com cláusulas excludentes da antijuridicidade, prevê, embora típico o fato, inexistir crime em face da ausência de ilicitude, pelas dificuldades econômicas, sacrifício circunstancial não razoável exigir-se, como prevê o artigo 24, in fine, do Código Penal: “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.

Paulo Fernando Ortega Boschi Filho, advogado

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